Desenvolvimento e ruralidade: China
Na Publica vem um titulo dramático: "A China em mudança: camponeses cada vez mais pobres" (24 de julho de 2005). O artigo trata da desigualdade crescente da sociedade chinesa (1).
O meteórico crescimento da economia terá favorecido nos ultimos mais as populações urbanas do que as populações rurais, agravado pelo impacto dos media com a sua tendencia para exagerar e difundir padrões anormais de comportamentos sociais (2).
O titulo do artigo é objectivamente falso. Os camponeses chineses estão cada vez mais ricos em termos absolutos e a pobreza não tem parado de diminuir na China (3).
Mais: o boom do crescimento chines foi desencadeado, ainda na década de 80, pelo sector primário da economia através da abertura percursora dos mercados locais de produtos agrícolas (4). Em poucos anos a China passava a autosuficiente de produção alimentar e as populações rurais começavam a sair da miséria endemica.
O aritgo vem assinado por Peter Goodman. Apesar de um (*) no nome, nada se diz na realidade sobre o autor - que óbviamente não é jornalista do jornal, nem sequer deve ser o responsavel pelo titulo. Tratar-se-á de uma tradução de um artigo publicado algures, provavelmente nos USA. Um lapso de paginação ou falta de respeito pela propriedade intelectual de terceiros? Ou ambos?
Peter Goodman é um jornalista americano e principal editor da Stonebridge Press, uma pequena editora americana especializada em temas japoneses "light" (5) e escreve habitualmente sobre temas chineses no The Milwaukee Journal Sentinel.Mas o artigo agora publicado pela Publica é também ele de uma superficialidade pungente. No mesmo artigo reconhece-se que afinal a miséria acabou numa dada aldeia e argumenta-se com o catastrofismo induzido pela globalização / OMC sobre o mundo rural chines!
É espantosa a superficialidade e a ignorancia editorial sobre temas economicos que mesmo publicações com imagem credivel (como o Publico ou o Expresso) mostram e difundem.
Notas:
(1) O aumento das desiguladades sociais e de distribuição da riqueza associados ao desenvolvimento economico é bem conhecido e constitui mesmo um dos temas de inquirição muito activa na economia actual. A China não é excepção. Mas aumento de desigualdade não significa que os niveis baixos estejam a descer. Pelo contrário, estão a subir, mas com uma aceleração menor do que os niveis mais altos. Ou sejam os abastados e os ricos ficam mais ricos mais depresa do que os pobres e os remediados.
(2) Esta é uma das razões importantes para o paradoxo dos ocidentais se sentirem mais angustiados e infelizes num mundo de prosperidade e qualidade de vida nunca antes conhecido e materialmente cada vez melhor e mais desenvolvido. O tema é discutido por Richard Layard, professor da London School of Economics, numa obra recente ("Hapiness. Lessons from a new science", Allan Lane / Penguin Books, 2005) que questiona os critérios das politicas publicas: qual deve ser o objectivo - desenvolvimento economico (medido, por exemplo, pelo PIB per capita) ou a felicidade das pessoas? Layard argumenta que hoje começamos a saber medir a felicidade da sociedade e comprender os mecanismos da felicidade, o que não deve deixar de ter consequencias para as politicas publicas. Esta linha de pensamento insere-se aliás na crescente integração das ciencias do comporamento na ciencia economica. A chamada "economia comportamental" (behavioral economics) é uma áreas da economia em grande desenvolvimento (uma boa introdução em M. Egidi, "From bounded rationality to behavioral economics", CIFREM Working papers, 2004).
(3) Para uma uma discussão e análise recente das desigualdades na China, ver J. Whalley e S. Xhang, "Inequality change in China and (Hukou) labour mobility restrictions", Working paper 10683, National Bureau of Economic Research (USA), Agosto 2004. Ver também J. Galbraith, L. Krytynshkaia e Q. Wang, "The experience of rising inequality in Russia and China during the transition", UTIP Working paper nº 23, 2003.
(4) O tema é tratado em Joe Studwell, "The China dreams: the elusive quest for the greateast untapped market on earth", Profile Books, 2002 (ver "the accidental miracle", pg. 31 e seguintes).
(5) como se pode ver no site da editora: http://www.stonebridge.com